NCM#60 | STF Descriminalizou! 🌱 Prensadão do CM 17 a 30 de junho de 2024
Curadoria de notícias e conteúdos canábicos
Saudações antiproibicionistas de um país com o porte de maconha descriminalizado!
A Newsletter #60 do Cannabis Monitor chega no seu e-mail com as últimas notícias canábicas que deram o que falar no Brasil e no mundo. Não é pra menos, né? Ser o maior país da América Latina a ir rumo à descriminalização da maconha é um acontecimento.
A curadoria de notícias entre os dias 17 a 30 de junho traz os principais assuntos canábicos nas áreas da Justiça, Política e Ativismo. Pra acompanhar tudo o que circula diariamente no noticiário canábico brasileiro, acesse o site do Cannabis Monitor Brasil e o Instagram.
Boa leitura!
Assinam essa edição: Gustavo Maia e Majô Molieri
Depois de uma longa espera de quase 10 anos, finalmente o STF teve o entendimento, pela maioria, que usuário portando até 40g ou 6 pés de maconha não é criminoso. Apesar das inúmeras ressalvas moralistas no discurso dos ministros, dizendo que "droga é ruim, nós a condenamos!", como disse Barroso, o fato é: maconha continua sendo proibida no Brasil, mas não é mais crime portá-la para consumo próprio.
Um avanço? Sim, tímido, mas um avanço. Principalmente porque jogou luz na real questão: a guerra às drogas é racista.
Para a socióloga Nathália Oliveira o empenho dos ativistas antiproibicionistas deu protagonismo ao caráter antirracista dessa luta. Em entrevista para o Brasil de Fato, a co-fundadora da Iniciativa Negra por Uma Nova Política sobre Drogas, comemorou decisão da Suprema Corte, mas cobrou efetividade da decisão na prática.
Os dados não mentem. Entre 2006 (ano da instituição da Lei de Drogas) e 2016, a população carcerária do Brasil aumentou em 85%, sendo que 25% dos presos são encarcerados por crimes relacionados às drogas. De acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), 67% dos presos por tráfico de drogas são negros. Um estudo realizado pelo Núcleo de Estudos Raciais do Insper, mostra que em um período de 10 anos (2010-2020) a PM de São Paulo classificou 31 mil pessoas negras como traficantes, sendo enquadrados em situações similares às de brancos que foram tratados como usuários.

Em matéria sobre a descriminalização no Brasil, o NY Times ressalta que o nosso país é o 3º maior em número de população carcerária, atrás apenas dos EUA e China. O STF determinou que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) promova um mutirão para rever as penas de pessoas que eventualmente tenham sido presas por tráfico portando quantias menores do que a nova quantidade estabelecida. Essa decisão deve impactar a vida de milhares de pessoas em situação de cárcere. Só no Distrito Federal, mais de 1.500 pessoas não estariam presas com o novo critério de porte.
Também espera-se que a decisão iniba as punições desiguais entre pessoas pobres e negras e brancas de classe média. Mas o racismo e preconceito continuam fortes e vigorosos no país, o que significa que, por melhor que tenha sido este resultado, ainda é preciso muita luta para que as coisas comecem mesmo a mudar. - Ingryd Rodrigues em artigo publicado no Cannabis Monitor . Assista também a opinião dela no @_comunicannabis.
Mal acabou o julgamento do STF, os conservadores já planejam como anular a decisão da corte. A PEC 45 está a todo vapor, uma vez que Arthur Lira (PP-AL) já instituiu a criação da Comissão Especial destinada a analisar e discutir a proposta de emenda, sendo que o Partido Liberal (PL), partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, tem direito a indicar a maioria dos parlamentares. O relator da PEC, Ricardo Salles (PL-SP), conhecido pelo seu legado de destruição ao meio ambiente, afirmou que a decisão do STF será revertida. Lira afirmou que não dará celeridade no andamento da matéria na Câmara, mas que há uma maioria razoável na casa para aprovar a PEC em plenário.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), autor da PEC 45, se manifestou dizendo que discorda da decisão do Supremo, alegando mais uma vez uma infundada invasão de competência do Poder Judiciário no Poder Legislativo, interpretação equivocada e reproduzida pelo próprio presidente Lula, que não contente ainda colocou a ala da psiquiatria brasileira como referência para o debate. Oi?
Falas extremamente infelizes, que fazem coro à preocupante explosão de fake news sobre a descriminalização, que inundam os grupos do zap, causando mais desinformação sobre uma pauta que ainda é vista com maus olhos pela sociedade brasileira.
Lula tem sido, desde o início, uma decepção. Se esquivou do debate público e quando abriu a boca, vomitou uma rajada de equívocos… O governo não moveu uma palha para fazer o enfrentamento necessário ao retrocesso no Congresso Nacional no sentido de barrar a PEC 45 ou, minimamente, elevar o nível dos debates. Como comentou o advogado da Rede Reforma, Erik Torquato, no podcast Maconhômetro Debate #35: STF Descriminaliza o Porte de Maconha no Brasil ⬇️
Como pode um presidente da república ter uma neta que convulsiona e que, por isso, faz uso de óleo de maconha e tem benefícios com isso, não ter uma atitude proativa através de um decreto para regulamentar a distribuição de óleo de cannabis e o cultivo de maconha para que não seja preciso importar matéria prima? É inadmissível ver uma neta, um filho se salvando e não pensar, tendo o poder da caneta como chefe do executivo na mão, chefe do SUS na mão, e não pensar em ampliar isso, em dar acesso a toda a população brasileira. - Erik Torquato, no podcast Maconhômetro Debate #35.
Neste episódio, além de Torquato, a socióloga Monique Prado recebe os também integrantes da Reforma, advogados e ativistas antiproibicionistas, Gabriella Arima e Michael Dantas, para repercutir a conclusão do julgamento, dichavar muitas questões interessantes e nos ajudar a entender os impactos imediatos e futuros dessa decisão histórica. Confira ⬇️
Superamos uma barreira. A luta continua, o caminho ainda é grande e ainda promete muito debate por todo o país.
✳️ Djamila Ribeiro: Cumprimento o STF por entender o enviesamento racial da guerra às drogas (Folha de SP);
✳️ Iloza Szabó: Decisão do STF reposiciona Brasil no cenário sobre política de drogas nas Américas (JOTA);
✳️ Josias de Souza: Lula foi contraditório e omisso ao abordar questão da maconha (UOL);
✳️ Anita Krepp: Descriminalização à brasileira (Poder 360);
✳️ Flávia Oliveira: Decisão do STF sobre maconha é avanço relativo (O Globo);
✳️ Fui pego fumando e agora? O que muda com a descriminalização da Maconha no Brasil (Mídia Ninja);
✳️ Vai para a delegacia, mas não é fichado: entenda o que acontece com quem for pego com maconha após decisão do STF (O Globo);
✳️ Dá delegacia? Perde réu primário? O que acontece se for pego com maconha (UOL);
✳️ Parlamentares negros reagem à descriminalização do porte de maconha no STF (Alma Preta);
✳️ “Descriminalização da maconha” alivia prisões, diz Lewandowski (Metrópoles);
E o que pensa a Grande Imprensa?
Os três maiores jornais do país se posicionaram em editoriais ⬇️
Folha de SP e O Globo seguiram a tendência dos últimos posicionamentos feitos e exaltaram o avanço civilizatório da decisão tomada na Suprema Corte, enquanto o Estadão, surpreendendo ninguém, se alinhou com a visão limitada e retrógrada de boa parte da sociedade, chegando ao cúmulo de elogiar o posicionamento do ministro Luiz Fux, que conseguiu ser um dos mais vergonhosos do julgamento, superando até os votos de André Mendonça e Nunes Marques em questão de mediocridade.
E a repercussão na imprensa internacional?
✳️ Mídia internacional repercute decisão do STF: 'maior país do mundo a descriminalizar a maconha' (O Globo);
✳️ Decisão do STF sobre a maconha repercute no exterior: "sinal de crescente aceitação global da droga" (Brasil 247);
Diferenciar usuário de traficante é justiça racial
Já na década de 1830, quando a Câmara Municipal do Rio de Janeiro, Corte do Império do Brasil, instituiu a proibição do Pito do Pango em seu Código de Posturas, o país já visava controlar a população negra e criminalizar seus hábitos culturais. Na época, a norma deixava claro: os boticários (farmacêuticos) que rodassem vendendo pagariam uma multa de 20$000 réis, já os escravizados que rodassem fumando iriam pra cadeia. Parece que muita coisa não mudou de lá pra cá, vide a PM-SP, que pelo menos nos últimos anos, enquadrou 31 mil negros como traficantes em situações similares a de homens brancos considerados usuários.
É preciso reconhecer que o proibicionismo e a guerras às drogas são um instrumento de violência racial e estrutural. Os sujeitos criminalizados como traficantes são, em sua maioria, homens (86%), jovens (72% com idade até 30 anos), de baixa escolaridade (67% não concluíram o ciclo de educação básica) e negros (68%) (Ipea, 2023a). O cruzamento da variável idade e cor/raça indica que 53,9% dos réus processados são jovens de até 30 anos e negros, simultaneamente.

Este conceito de estar portando droga para vender e estar portando droga para consumir é intimamente ligado à cor da pele, ao bairro onde a pessoa foi presa, e qual o tipo de advogado que ela vai ter. - ministra Daniela Teixeira, integrante da 5ª Turma do STJ, que julga questões criminais.
O Atlas da Violência 2024, publicado recentemente pelo IPEA, mostra que 67% do processos criminais são referente a maconha e na grande maioria, abaixo de 100g. Com o avanço da PEC/45, que criminaliza a posse e o porte de qualquer quantidade de droga, a Secretária Nacional de Política sobre Drogas do MJSP, Marta Machado é cirúrgica ao classificar a proposta em discussão no Legislativo como um "equívoco" e uma "medida populista", que afasta o debate sobre o que é "realmente importante discutir na política de drogas".
Pra ler mais:
✳️ Congresso deveria olhar decisão do STF e repensar avanço da PEC das Drogas, diz secretária do Ministério da Justiça (O Globo);
✳️ Sâmia Bomfim (PSOL-SP) pede anistia a todos os presos por tráfico com menos de 40g de maconha (PSOL e Estadão);
✳️A descriminalização da maconha e o novo erro do Congresso com os negros (Veja);
✳️ Após decisão do STF sobre maconha, mutirão do CNJ pode beneficiar milhares de presos (Brasil de Fato).
✳️ Excesso de HCs e de ações por tráfico expõe limites da Justiça em relação às pessoas pobres e negras (Consultor Jurídico).
✳️ PEC das Drogas é alvo de denúncia no Conselho de Direitos Humanos da ONU (Brasil de Fato);
Descriminalização é o mínimo!
A Plataforma Brasileira de Políticas de Drogas e a Iniciativa Negra estão há anos produzindo dados sobre política de drogas, que foram inclusive usados como embasamento nos votos dos ministros do STF. As entidades afirmam que é necessário uma Justiça de Transição para lidar com a descriminalização de forma pacífica, ampliando o diálogo com a sociedade, pra denunciar e negar qualquer retrocesso. Confira os principais pontos levantando pelas entidades:
1- É necessário uma Comissão de Memória, Verdade e Justiça sobre a guerra às drogas;
2- Definir ações de reparação para as comunidades afetadas pela guerra às drogas;
3- Anistia para afetados pelo conflito da guerra às drogas;
4- Mudanças em legislação sobre drogas para geração de novas políticas públicas;
5- Regulação de toda cadeia produtiva visando um modelo econômico a serviço da soberania nacional e agricultura familiar;
6- Criação de um fundo social para maximizar os benefícios das receitas provenientes da Cannabis para Justiça Racial, inovação científica e tecnológica e sustentabilidade ambiental.
Para saber mais, fique por dentro da construção da Agenda Brasileira de Política de Drogas.
Rolou a 13º edição da Marcha da Maconha de Goiânia
Mais uma Marcha aconteceu no Centro-Oeste. Já na sua 13º edição, a Marcha da Maconha de Goiânia reuniu aproximadamente 1.000 pessoas, entre mães, estudantes, trabalhadores e coletivos em prol da planta.
Avante, Marchas da Maconha!
Nunca foi tão importante a mobilização popular pra dar voz à pauta das políticas sobre drogas como agora. A disputa entre STF X Congresso ainda vai ter muitos desdobramentos. É preciso ficarmos atentos, ainda têm muito para se marchar, principalmente diante de um conservadorismo exacerbado que assola o Brasil nos últimos anos. Nunca se falou tanto sobre maconha no país, mas 2024 também foi marcado como um ano de esvaziamento nas Marchas da Maconha de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Qual será o motivo? Veja a coluna de opinião da Monique Prado no Cannabis Monitor: As Marchas da Maconha não podem parar.
A Plataforma Brasileira de Política de Drogas é uma parceira e apoiadora do Cannabis Monitor. A entidade estimula o desenvolvimento de políticas que garantam a autonomia e a cidadania das pessoas que usam drogas, como o efetivo direito à saúde e ao tratamento em liberdade.
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