PlataData | Aumento do Uso de Fentanil & Saúde Pública
Um estudo recente financiado pelo Instituto Nacional de Abuso de Drogas (NIDA) revela um aumento significativo na apreensão de fentanil nos EUA entre 2017 e 2023
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Assina essa edição: Renato Filev, com colaborações de Kyalene Mesquita
Tendências nacionais e regionais nas apreensões de fentanil nos Estados Unidos (2017–2023)
National and regional trends in fentanyl seizures in the United States, 2017–2023
Joseph J. Palamar, Nicole Fitzgerald, Thomas H. Carr, Linda B. Cottler e Daniel Ciccarone.
International Journal of Drug Policy, Maio de 2024.
Acesse: https://doi.org/10.1016/j.drugpo.2024.104417
Um estudo publicado em maio de 2024 na International Journal of Drug Policy mostra que o número de comprimidos apreendidos que continham fentanil aumentaram em 2.300 vezes, passando de 49.657 comprimidos em 2017 para 115.562.603 em 2023.
Em 2017 apenas 10% das apreensões eram de comprimidos, agora representam 49% de todas as apreensões da droga. O Oeste do país teve o maior aumento nas apreensões de fentanil em forma de comprimidos, representando 77,8% das apreensões dessa droga em 2023.
Estes comprimidos ilícitos frequentemente imitam medicamentos prescritos legítimos, mas podem conter quantidades perigosas de fentanil, tornando-os potencialmente letais mesmo em pequenas quantidades. Apenas 2mg desse opioide é suficiente para provocar uma overdose em uma pessoa inexperiente.
Sua potência e facilidade de produção contribuem para o aumento das mortes por overdose. Em 2022 , cerca de 75% das 107.000 mortes provocadas por overdose no país se devem ao fentanil. O aumento dos comprimidos falsificados afetou notavelmente os adolescentes, contribuindo para um aumento dramático nas mortes por overdose entre essa faixa etária.
Esforços de saúde pública devem focar em informar as pessoas sobre os riscos dos comprimidos falsificados e a possível presença de fentanil em drogas obtidas de fontes não confiáveis.
Há um risco aumentado quando a exposição é não intencional. É necessário que um observatório público assuma a responsabilidade pelo rastreamento, alertas rápidos, orientações de redução de danos, manejo de overdoses, fornecimento de testes colorimétricos e antídotos, como a naloxona, para atenuar os impactos das overdoses de opioides sintéticos.
A Geopolítica das Drogas
O aumento no número de apreensões de fentanil e outros opioides sintéticos pelo mundo tem muitas causas, mas uma delas está ligada a uma mudança na produção de papoula em 2022. Em abril daquele ano, o Talibã proibiu as plantações da planta no Afeganistão, principal território de cultivo da matéria-prima do ópio, utilizado em medicamentos como a morfina, heroína e outras drogas. Menos de dois anos depois, isso já resultou em uma redução de 95% na produção de ópio no país.
A decisão do Talibã transferiu toda a demanda do mercado de ópio para quem pudesse produzir as substâncias de forma sintética, ou para o deslocamento da produção de ópio para outros territórios. Atualmente, sabe-se que os principais países distribuidores desses opioides de laboratório são a China e os EUA.
Como o Brasil recebe essa nova realidade?
O Brasil não é líder no consumo de opioides, mas o fentanil tem sido cada vez mais encontrado em substâncias no território desde 2023. Por conta do proibicionismo, as substâncias são adulteradas, e, ao serem alteradas, colocam as pessoas em maior risco. Não é exagero dizer que o mercado ilegal é quem escolhe e influencia, através da produção e comercialização de substâncias novas e adulteradas, qual será a epidemia do momento.
No começo de julho de 2024, pesquisadores da Unicamp, mais especificamente da Sociedade Brasileira de Toxicologia, encontraram nitazeno em drogas K apreendidas em São Paulo. O nitazeno também é um opioide, ainda mais forte que o fentanil.
Estudos como este, publicados na International Journal of Drug Policy e relacionados à adulteração de substâncias, são importantes para pensarmos em políticas públicas, capacitação e educação permanente da rede de trabalhadores que atendem pessoas sob efeito de substâncias novas a cada ano.
A Naloxona
A psicóloga e redutora de danos Maria Angélica Comis acredita que um ponto de partida é trazer a naloxona de forma mais ampla para o cenário brasileiro de tratamento de overdoses.
“Estudos como este comprovam a importância de introduzirmos novas tecnologias de atendimento e de redução de danos para pessoas que estão sofrendo os efeitos de substâncias adulteradas ou diferentes das que estavam buscando. Isso é uma responsabilidade direta do proibicionismo, que fomenta o tráfico e a indústria farmacêutica. O risco de vida que as pessoas correm aqui com a disseminação do fentanil, do nitazeno ou de qualquer outro opioide é ainda maior devido à falta de preparo das equipes de saúde para lidar com esses casos”, afirma a profissional.
A naloxona é um antagonista opioide, ou seja, bloqueia a ação do opioide no sistema nervoso. Ela é utilizada para reverter overdoses por opioides ou intoxicação por analgésicos, revertendo a falta de ar, possíveis paradas respiratórias, a depressão do sistema nervoso central e o coma. Pode ser injetada na veia, no músculo ou na pele.
No Brasil, a naloxona necessita de prescrição médica e não é manipulada em forma de spray (para aplicação nasal), sendo encontrada apenas em hospitais, com autorização médica. No Canadá, o governo realizou uma campanha para treinar a população geral a usar a naloxona, caso encontrassem alguém com os lábios roxos na rua.
No entanto, não é necessário treinamento ou autorização médica para aplicá-la em forma de spray. O medicamento é distribuído gratuitamente em países como Austrália, Canadá, Itália e Reino Unido. Nos EUA, não é distribuído gratuitamente.
Referências e fontes:
National and regional trends in fentanyl seizures in the United States, 2017–2023
Nitazeno: novo opioide, mais forte que heroína e fentanil, é achado em drogas apreendidas em SP
Naloxona: a droga que tem salvado milhares de pessoas nos EUA
Produção de ópio cai 95% no Afeganistão após proibição do Talibã
A Plataforma Brasileira de Política de Drogas é uma parceira e apoiadora do Cannabis Monitor. A entidade estimula o desenvolvimento de políticas que garantam a autonomia e a cidadania das pessoas que usam drogas, como o efetivo direito à saúde e ao tratamento em liberdade.
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