PlataData | Moradia primeiro, resultados depois
Estudo compara experiência de programas brasileiros e internacionais na assistência por moradia para a população de rua
Essa é a PlataData, newsletter mensal da Plataforma Brasileira de Politica de Drogas (PBPD) em parceria com o Cannabis Monitor, sempre trazendo para análise, aprofundamento e explicação, artigos científicos sobre maconha e/ou outras drogas publicados no Brasil ou no Mundo.
A #PlataData de Março/2025 aborda um artigo publicado no Journal of Social Distress and Homelessness, em novembro de 2024.
🗞️🌱 Tudo o que circula diariamente no noticiário canábico brasileiro você encontra no site do Cannabis Monitor Brasil.
Boa leitura!
Assinam essa edição: Kya Mesquita e Renato Filev
Moradia primeiro, resultados depois
"Housing First in Brazil: A Scoping Review of Programs for Homeless Populations"
Andrea Gallassi, Ana Carolina Nascimento e Annick Bórquez.
Journal of Social Distress and Homelessness, Novembro de 2024
Acesse: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/10530789.2024.2433292
No final de 2024, foi publicado um estudo intitulado "Housing First in Brazil: A Scoping Review of Programs for Homeless Populations", que trazia uma análise detalhada sobre os programas de moradia para pessoas em situação de rua, com foco no modelo Housing First (Moradia Primeiro), comparando as experiências internacionais com as iniciativas brasileiras.
O estudo foi coordenado pelas autoras Andrea Gallassi, Annick Bórquez, e Ana Carolina Peixoto do Nascimento, viabilizado pelo Decanato de Pós-Graduação (DPG) da Universidade de Brasília (UnB) com colaboração de integrantes da Universidade da Califórnia (San Diego).
Vamos mergulhar nos detalhes dessa pesquisa e entender por que ela é tão relevante para a política de drogas, saúde pública e segurança pública.
Housing First: a moradia vem primeiro
O Housing First é um modelo que rompe com a lógica tradicional de exigir que pessoas em situação de rua primeiro se tratem de problemas como dependência química ou transtornos mentais antes de receberem moradia. Em vez disso, o modelo propõe que a moradia seja oferecida primeiro, como um direito humano básico, e que o tratamento seja uma opção posterior, não uma condição obrigatória. A ideia é que, com uma moradia estável, as pessoas possam se reorganizar e, a partir daí, buscar outras formas de apoio, como tratamento de saúde, reinserção no mercado de trabalho e reconstrução de laços sociais.
O método da pesquisa
O estudo realizado foi uma revisão integrativa da literatura, ou seja, uma análise profunda de artigos científicos publicados nos últimos cinco anos sobre programas de moradia primeiro em diversos países. Foram analisados mais de 300 artigos, dos quais 45 preencheram os critérios de avaliação estabelecidos pela pesquisa. Esses artigos traziam dados concretos sobre a eficácia dos programas, com indicadores de sucesso como redução do uso de drogas, melhoria na qualidade de vida, engajamento social e segurança alimentar.
O Contexto Brasileiro
No Brasil, os programas de moradia para pessoas em situação de rua ainda são incipientes e não há uma política nacional institucionalizada nesse sentido. O estudo destacou que, enquanto em países como Estados Unidos, Canadá, França e Austrália os programas de Housing First são voltados principalmente para pessoas com transtornos mentais, no Brasil eles estão mais associados a políticas de redução de danos para usuários problemáticos de álcool e outras drogas.
Um dos pontos críticos identificados no estudo é a falta de avaliação contínua dos programas brasileiros. Enquanto os países analisados têm sistemas robustos de monitoramento e avaliação, no Brasil ainda é difícil comprovar a eficácia dessas políticas por meio de dados concretos. Isso dificulta a defesa desses programas em debates públicos e políticos.
Principais Achados do Estudo
Estabilidade de Moradia: A pesquisa mostrou que a moradia estável é um fator crucial para a melhoria da qualidade de vida das pessoas em situação de rua. Diferente de abrigos ou albergues, a moradia estável oferece um senso de pertencimento e permite que as pessoas se organizem e reconstruam suas vidas.
Redução do Uso de Drogas: Um dos indicadores de sucesso nos programas internacionais foi a redução do uso de drogas e álcool. Com uma moradia estável, as pessoas têm mais condições de buscar tratamento e reduzir o consumo problemático.
Engajamento Social: A moradia em contextos urbanos, integrada a bairros e comunidades, favorece a reconstrução de laços sociais e familiares. Isso é essencial para a reinserção social.
Segurança Alimentar: Programas internacionais destacam a importância de garantir acesso a comida de verdade, algo que ainda não é prioridade nos programas brasileiros.
Sinergia de Custos: Um dos achados mais interessantes foi a sinergia de custos gerada pelos programas de moradia. Ao oferecer moradia estável, os governos reduzem gastos com saúde pública, segurança e assistência social, já que as pessoas deixam de estar em situação de vulnerabilidade extrema.
Comparação com o Brasil
No Brasil, os programas de moradia primeiro ainda estão em fase inicial e enfrentam desafios como a falta de avaliação contínua e a vinculação obrigatória ao tratamento. Enquanto no modelo internacional a moradia é oferecida sem condições, no Brasil ainda há uma tendência a exigir que as pessoas estejam em tratamento para receberem moradia. Além disso, aspectos como segurança alimentar e engajamento no mercado de trabalho ainda não são priorizados nos programas brasileiros.
Por que isso é importante?
A pesquisa traz reflexões valiosas para a construção de políticas públicas mais eficazes no Brasil. Ao adotar o modelo de Housing First, com foco na moradia como um direito humano básico, é possível não apenas melhorar a qualidade de vida das pessoas em situação de rua, mas também gerar economia para o Estado, reduzindo custos com saúde, segurança e assistência social.
Conclusão
Esse estudo é um passo importante para entender como políticas de moradia podem ser uma ferramenta poderosa na redução de danos e na promoção de direitos humanos. Enquanto o Brasil ainda está no início dessa jornada, os exemplos internacionais mostram que investir em moradia estável é investir em uma sociedade mais justa e menos desigual.
A reflexão que fica é: quando estaremos prontos para adotar um modelo, baseado em evidências, que coloca a moradia como prioridade, e não como recompensa pela sobriedade?
Opinião dos Editores
Fica claro pra nós que um dos grandes obstáculos para o avanço de políticas como o Housing First no Brasil é a visão, especialmente presente em setores de direita e extrema-direita, de que a assistência social e psicossocial representa um "gasto indevido" para o governo. Essa narrativa, frequentemente associada a um discurso de austeridade fiscal e redução do Estado, ignora o fato de que investir em políticas sociais não é um custo, mas sim um investimento de longo prazo.
Programas como o Housing First, que oferecem moradia estável e apoio psicossocial, geram economia para o Estado ao reduzir gastos com saúde pública, segurança e assistência emergencial. Além disso, eles promovem a inclusão social e a redução da desigualdade, fatores essenciais para o desenvolvimento sustentável de qualquer sociedade. No entanto, essa visão é frequentemente deturpada por um discurso que prioriza o corte de gastos sociais em detrimento de políticas que realmente transformam vidas.
A Plataforma Brasileira de Política de Drogas é uma parceira e apoiadora do Cannabis Monitor. A entidade estimula o desenvolvimento de políticas que garantam a autonomia e a cidadania das pessoas que usam drogas, como o efetivo direito à saúde e ao tratamento em liberdade.
Acesse todas as nossas newsletters anteriores aqui e se curtiu essa edição, compartilha com quem também pode se interessar por esse tipo de informação.
Considere nos apoiar e ajude a manter esse projeto de pé ⬇️